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Recém-nascidos

Atualizado dia 8/16/2013 6:53:07 PM em Espiritualidade
por Christina Nunes


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Outro dia, não sei se em razão de reminiscências apagadas de vivências de desencarnes anteriores, pus-me a viajar mentalmente e veio-me ao espírito imagens e sensações que me sugeriram ser a desencarnação semelhante, em muitas coisas, ao renascimento num novo corpo, só que em processo inverso.

Devemos chegar de volta às nossas moradas espirituais com aquela mesma cara de paisagem que faz todo bebê recém-nascido: o olhar vago, disperso, ou então mais focado - que seja! Os bebês de hoje aparentam nascer muito mais ligados do que os de antigamente, que muitas vezes nem abrir os olhos conseguiam. Mas é a mesma, a expressão no rosto, cheio de caretas ininteligíveis, de quem não entende nada do que está acontecendo: aquele bando de gente desconhecida em volta; nalgumas vezes, médicos, enfermeiras, o pai, com aquela cara arrepiada de quem ou vai desmaiar, ou se por a gritar de emoção, como se numa final de campeonato de Maracanã! A mãe com lágrimas nos olhos, por razões que - ainda - lhe são inexplicáveis! Estática, perplexa, transida de comoção com a vivência celestial, sempre única, sempre exclusiva, de enfim ver frente a frente aquele ser que idolatrava desde que o soube dentro de suas entranhas, e que foi se comprovando a cada dia mais vivo, a cada mês mais presente! Mexendo-se, se comunicando, e articulando em silêncio o aviso inequívoco de que estava ali, e de que veio para ficar, se outros fatores ingratos não concorrerem para o contrário...

Proteja-me, pelo amor de Deus! Socorro! Que tumulto é este, em volta, com esta gente desconhecida, e este monte de luzes, e neste lugar que nunca vi antes?! - Eis o que, talvez, gritasse cada neném, naquele primeiro minuto de susto em que sai de um mundo supostamente confortável, seguro, desconhecido, para o palco imenso de suas novas experiências, com dezenas de novas companhias!

Paralelamente, a mesma mensagem estatelada deve se espelhar nos nossos rostos, assim que nos desligamos daqui, da nossa zona de suposto conforto em território conhecido, bem ou mal, durante algumas dezenas de anos terrestres, e apesar de todas as adversidades, para acordar naquela esfera de vida das nossas origens, da qual durante um intervalo de tempo mais ou menos extenso nos esquecemos, senão completamente, pelo menos como se estivéssemos, em relação a ela, imersos nas névoas compactas cheias de imagens e acontecimentos que amorteceram quase por completo as nossas lembranças do que existia por lá!

Os espíritos, através da Doutrina codificada por Allan Kardec, ensinam-nos que o grau de perturbação da desencarnação varia de pessoa para pessoa, em acordo com o grau de despertamento e de compreensão da consciência para as realidades maiores da vida do espírito. A razão disso está no foco consciencial condicionado, por intervalo de tempo terreno considerável, pelas percepções restritas dos sentidos físicos, pela memória do passado embotada, e pelas vivências sequenciais da reencarnação finda. Assim, portanto, como variam ao infinito as circunstâncias nas quais cada ser retorna para a pátria espiritual, as correspondentes sensações de contexto acompanham com intensidade diferenciada cada ser desencarnante.

O que faz a passagem, portanto, em função de moléstia prolongada, que o reteve vários meses em condições prejudicadas de reflexos e de lucidez, há de aportar ao seu lugar de destino depois da transição muito provavelmente ainda dominado pela prostração inerente ao estado de fragilidade que o vitimizava no estado anterior. Dormirá em letargia, sob os cuidados dos assistentes médicos das instituições das esferas invisíveis, ou estacionará por tempo indeterminado em convalescença lenta, ou mais acelerada, correspondente ao seu nível de entendimento da continuidade de seus caminhos nestes outros lugares da existência. Em casos de acidente repentino, poderá acordar de abrupto do outro lado, em situações em que não tombe em inconsciência demorada após o trauma - aí, sem compreensão imediata do que lhe sucede, muitas vezes vaga, o que nos deixa por estas vias abruptas, entre os seus, sem nada entender, e por força querendo se comunicar! Afinal, se apalpa e se mede, e nenhuma diferença digna de nota percebe na sua apresentação pessoal. Sensações de prazer, de dor, de aflição e de fome ainda são as mesmas; e desta forma, ainda julga-se na matéria por extenso período de tempo, em completa confusão a respeito dos detalhes fora do comum que, aos poucos, o induzem a perceber que, diferente do que imagina, nada mais lhe acontecerá como antes.

Nestes e em outros episódios, em que pese o amparo infalível de mentores, familiares ou assistentes que acolhem carinhosamente o desencarnante, grandes haverão de ser os pontos de semelhança com os do ser indefeso e confuso que, em sentido contrário, atravessa o canal divino entre dimensões para prosseguir no aprendizado nos cenários materiais terrenos. Este último deixa seus lugares de origem, onde residem seres amoráveis aos quais se vê vinculado por laços de afeto ou de instrução, para, após o processo técnico de reducionismo que o ambienta ao corpo ligado ao útero materno, e à obstrução de memórias, dar entrada no mundo de experiências inéditas que o aguarda, sendo acolhido pelos seres destinados a lhe oferecer suporte na nova etapa de progresso evolutivo. Lá, doutra feita, nas dimensões que temporariamente abandona, deixa também saudades, lágrimas, mas a certeza, nos que ficam, de que o reencontro é assegurado; e de que todos permanecem vinculados pelos laços do coração.

E aqui, então, pequenino ser vulnerável, mas amparado pelos recursos da Providência, entrega-se aos cuidados dos primeiros companheiros de jornada que desempenharão papéis distintos no enredo de sua história pessoal. E os fixa, perplexo, assustado, ou com expressão alheia e vaga, de quem nada nem ninguém reconhece, e menos ainda entende o que lhe acontece, no meio de toda a intensa movimentação ininteligível, ao seu redor. Mas, por fim, de dentro das condições usuais de candura e inocência de todo nascituro, e uma vez tendo o reconforto e o aconchego de suas necessidades básicas atendidas, entrega-se ao sono reparador, nas primeiras horas nos palcos de sua renovada experiência corpórea. E a história prossegue, como deverá ser, com a evolução natural de suas vivências e respectivo aprendizado.

Em contrapartida, aquele outro, o desencarnante, deixa para trás o intervalo mais ou menos prolongado de fatos vividos na companhia de inumeráveis companheiros que compuseram o mosaico rico de sua finda estrada reencarnatória. Afetos, quanto desafetos; acontecimentos felizes e difíceis, em igual medida, lhe ensinaram novas facetas no seu processo de crescimento e ascensão espiritual. Abandona, pois, tudo que lhe foi apenas emprestado, como pincéis para compor na tela branca de seu destino: o corpo desgastado e falido, entregue aos processos naturais de recomposição da vida noutros níveis; amigos e familiares consanguíneos, chorosos; trabalho, lar e pertences transitórios. E, a exemplo do recém nascido na materialidade, retorna ao convívio de outros entes saudosos, que o recebem com alegria. Sempre compreensivos da mesma perplexidade e da idêntica vulnerabilidade de que dá mostras todo o ser que, eternamente, apenas viaja entre dimensões.
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Conteúdo desenvolvido por: Christina Nunes   
Chris Mohammed (Christina Nunes) é escritora com doze romances espiritualistas publicados. Identificada de longa data com o Sufismo, abraçou o Islam, e hoje escreve em livre criação, sem o que define com humor como as tornozeleiras eletrônicas dos compromissos da carreira de uma escritora profissional. Também é musicista nas horas vagas.
E-mail: [email protected] | Mais artigos.

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